Plantar soja na capital é possível? veja lavouras do tamanho de 700 campos de futebol

Plantar soja na capital é possível

AGRONEWS/REDAçãO


Plantar soja na capital é possível? Sim!. Porto Alegre é a segunda maior área rural entre capitais, cidade apresenta crescimento nos produtos orgânicos e exóticos, como a pitaia, e queda nas vendas de hortaliças convencionais.

Um dos motores da economia e tradicionalmente plantada em grandes extensões do interior gaúcho, a soja teve suas lavouras afetadas pela estiagem nas cidades mais longínquas. Diante desse cenário, produtores rurais da Região Metropolitana têm inserido o grão em Porto Alegre, metrópole sem tradição nessa cultura.

“É algo para o Brasil inteiro ver. Qual a capital que tem soja? Se tu falares numa capital com soja, tem gente que não acredita“, diz Cleber Vieira, Presidente do Sindicato Rural de Porto Alegre.

A Fazenda Dom Carlito, na zona sul de Porto Alegre, está com os 450 hectares da sua extensão dedicados ao plantio da soja. No passado, ali se criava gado e se plantava arroz, mas a família proprietária saturou de lidar com o abigeato e a complexidade de cultivo e de baixo preço do cereal. Partiram, então, para a soja, um tiro mais certeiro para os negócios. A opção pelo grão foi feita há seis anos.

Da Avenida do Lami é possível avistar um vasto campo de soja, em grande parte com sistema de irrigação. A colheita deve começar até o início de abril e a expectativa é de produção de mais de 60 sacas por hectare.

A propriedade é parcialmente limítrofe ao Guaíba, e um dos proprietários, Valdir Tuchtenhagen, faz questão de apontar para zonas de mato nativo que foram mantidas na fazenda. À reportagem, ele repetia seu lema: “Anota aí, hoje o produtor rural é o que mais preserva a natureza.“, afirma Valdir

Na Zona Sul, são corriqueiras as análises de que, não fosse a resiliência das propriedades rurais, o verde já tinha dado lugar a prédios.

“Por ser uma propriedade grande, dá até para um novato se perder lá dentro“, Tuchtenhagen argumenta que por isso o uso de agroquímicos é necessário. É um produto que combate a lagarta, praga que ataca as lavouras de soja.

O uso de químicos será um desafio não só na Fazenda Dom Carlito, mas em todas as propriedades da Capital em que são aplicados. Uma legislação já em vigor determina que o uso será proibido em Porto Alegre após 2032, com objetivo de potencializar a produção orgânica.

O Sindicato Rural de Porto Alegre tem 1.281 produtores associados, dos quais 400 têm o talão do produtor, o que indica maior atividade econômica. A entidade diz que quatro produtores rurais cultivam soja em Porto Alegre atualmente, em cerca de 750 hectares. A Secretaria Municipal do Desenvolvimento Econômico e Turismo diz ter conhecimento de apenas um. De qualquer forma, é preciso dimensionar. Inusitado, o plantio de soja na Capital é ínfimo se comparado ao restante do Estado. A Emater, na atual safra, estima que a área plantada de soja no Rio Grande do Sul é de 6,3 milhões de hectares.

No seu último boletim, a Emater diz que o cultivo do grão na região administrativa de Porto Alegre restabeleceu seu potencial, com boa floração, apesar dos efeitos da estiagem. Para o Estado inteiro, mais castigado pela seca, a estimativa é de perda de 40% da produção.

As chuvas que caíram em dose maior na Capital — embora ainda abaixo do ideal — foram a salvação da lavoura de Eduardo Gonçalves. Ainda jovem, aos 19 anos, ele toca o negócio com o pai. Arrendaram uma área de 70 hectares no Lami e apostaram pelo primeiro ano no plantio da soja em Porto Alegre. Eles não aplicaram agroquímicos, fazendo apenas a chamada correção com aplicação de calcário e adubo, técnica que busca um solo mais adequado para impulsionar a produção.

“Não temos o recurso da irrigação. Somos gratos por ter vindo chuva suficiente“, comenta Eduardo.

Ele espera colher entre 50 e 60 sacas por hectare. Com a quebra de parte da lavoura no Interior, o preço do grão acabou subindo. Ao ouvir a cotação mais recente da saca, citada por Cléber Vieira, presidente do Sindicato Rural de Porto Alegre, Gonçalves não se conteve e soltou um sorriso espontâneo. Seus ganhos vão subir neste ano.

“Vai dar para tomar uma cachaça“, brincou o jovem produtor Eduardo.

O interesse das classes média e alta por hortifrutigranjeiros orgânicos, setor que apresenta crescimento na produção, junto de cultivos exóticos e até mesmo das lavouras de soja dentro da cidade, sinalizam oportunidade de impulso à zona rural de Porto Alegre.

Ao mesmo tempo, os produtores convencionais porto-alegrenses perderam espaço entre os principais fornecedores de vegetais in natura na Centrais de Abastecimento do Rio Grande do Sul (Ceasa). O atual cenário é de alta pelo lado dos orgânicos, aquecidos pelo número crescente de feiras especializadas, e de queda na produção geral de hortifrutigranjeiros, o que é atribuído principalmente ao avanço urbano sobre o sul de Porto Alegre, onde fica a zona rural.

O momento é positivo. As vendas geram boas receitas, temos nove feiras orgânicas em Porto Alegre. A cidade é um mercado muito grande para os produtos. Se vende tudo o que se produz. O que precisa é de mais incentivo ao produtor.

O aquecimento é registrado pela Associação dos Produtores da Rede Agroecológica Metropolitana (Rama), cujos 102 associados, em maior parte de Porto Alegre, registraram crescimento de 40% na produção do último biênio.

“O momento é positivo. As vendas geram boas receitas, temos nove feiras orgânicas em Porto Alegre. A cidade é um mercado muito grande para os produtos. Se vende tudo o que se produz. O que precisa é de mais incentivo ao produtor. Hoje, isso é algo que não existe“, avalia Idemar da Rocha Nunes, presidente da Rama.

Já a queda na produção convencional de Porto Alegre na zona rural é enfatizada por dados da Ceasa: em 2012, a Capital recebeu retorno de ICMS de R$ 2,6 milhões devido à venda de hortifrutigranjeiros pelos seus produtores na central. A cidade ocupava a 26ª posição entre os 99 municípios que fornecem para o galpão do produtor. Em 2020, essa cifra de retorno de ICMS caiu para R$ 1,1 milhão, o que derrubou a Capital para a 37ª posição entre os 99 fornecedores. Em oito anos, o tombo foi de 44,55%.

A gente ouve há muito tempo os comentários da expansão da área urbana. Produtores conhecidos nossos migraram para Guaíba, Arroio dos Ratos, General Câmara. São regiões próximas, bem irrigadas, com taxas (de impostos) mais adequadas para uma zona rural. Acabou diminuindo a produção em Porto Alegre.

“A gente ouve há muito tempo os comentários da expansão da área urbana. Produtores conhecidos nossos migraram para Guaíba, Arroio dos Ratos, General Câmara. São regiões próximas, bem irrigadas, com taxas (de impostos) mais adequadas para uma zona rural. Acabou diminuindo a produção em Porto Alegre“, avalia Claiton Colvelo, gerente-técnico da Ceasa, companhia que não trabalha até o momento com os orgânicos e não dispõe de dados sobre esse setor.

Porto Alegre é a capital brasileira com a segunda maior área rural, com 4,3 mil hectares em zona demarcada, equivalente a 8% do território da cidade. Na frente neste aspecto, somente Palmas (TO).

A poucos metros do intenso fluxo de veículos da Avenida Juca Batista, no Sítio do Sol, no bairro Belém Novo, os três irmãos Cirne Lima decidiram apostar em uma novidade: a produção de pitaia, uma fruta típica da faixa equatorial, com grande produção no Vietnã. Filiados à Rama e adeptos da produção orgânica, os Cirne Lima fazem parte do crescimento desse filão em Porto Alegre. Comercializam seus produtos diretamente nas feiras ecológicas, para redes de mercados e beneficiadores que usam a polpa da fruta para fazer suco.

Atualmente, dois dos 15 hectares da propriedade estão dedicados ao cultivo da pitaia, mas já está em andamento a expansão da área plantada para cinco hectares. Em 2022, a colheita da fruta, que vai de dezembro a maio, está estimada em 30 toneladas na propriedade.

A produtora orgânica Patrícia Wood Cirne Lima se graduou em artes dramáticas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), fez especialização em Paris, trabalhou em teatro no Rio de Janeiro e, depois, com filmes publicitários em São Paulo. Nessa trajetória, passou quase 30 anos fora de Porto Alegre. Retornou e, após o falecimento do pai, uniu-se aos irmãos para tocar o sonho de família do sítio.

Um dos motivos para a escolha da pitaia foi o fato de ter provado no Exterior e em São Paulo, mas não ter encontrado em outras ocasiões. No Brasil, além de São Paulo, o plantio da fruta é considerado mais comum somente no Pará e em Santa Catarina. Em Porto Alegre, atualmente, tanto a Rama quanto a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo registram a existência de apenas duas propriedades dedicadas ao plantio.

“Queríamos uma fruta de qualidade nutricional. No início, diziam que era uma loucura por causa do clima. Chegar a esse ponto foi uma baita conquista.”, destaca Patrícia, no quinto ano de cultivo.

A pitaia tem formato ovalado e pode alcançar mais de um quilo. Sua casca é vermelha, com certo tom rosado, e a fruta possui pétalas que parecem vistosas escamas — daí o apelido dragon fruit (fruta do dragão). Aos olhos, é um vegetal de rara beleza. De longe, até dá para confundir com uma pelúcia.

A planta da pitaia é uma cactácea que, para melhor desenvolvimento, conta com o suporte de um moirão. No topo, Patrícia pôs pneus reaproveitados que mantêm elevados e suspensos ao ar os braços (cladódios) da planta. Os botões florais nascem a partir dos espinhos. É uma lavoura de caráter delicado, que requer cuidados permanentes e irrigação por gotejamento — o Sítio do Sol conta com sistema que puxa o recurso hídrico de poço da propriedade. O clima ideal para a planta tem dia quente e noite fresca — daí o desafio de produzir em Porto Alegre, que costuma ter dias frios no inverno e noites abafadas no verão.

A polpa da fruta pode ser branca ou vermelha. A consistência é semelhante à do kiwi, mas com maior sensação de frescor devido ao grande acúmulo de líquido na fruta. A despeito de comentários de que a fruta do dragão não tem gosto, a reportagem experimentou e pode dizer que, ao menos as do Sítio do Sol, oferecem um refresco adocicado.

“Sem gosto são as pitaias desenvolvidas sem qualidade e sem conhecimento. Ainda é um cultivo desconhecido“, comenta Patrícia.

Passando o Lami, há um bairro relativamente novo em Porto Alegre chamado Extrema. Lá ficam duas propriedades que simbolizam, apesar da estiagem e da pandemia, o movimento crescente da produção orgânica: a Granja Santantonio e o Sítio Capororoca. Ambos são associados ao Caminhos Rurais e planejam, em breve, retomar com vigor o turismo rural, sobretudo com a visitação de escolas, o que é um bom adicional de receita.

Vizinhas, as propriedades trabalham com orgânicos, mas têm focos distintos. A Granja Santantonio, administrada por Vasco Moro Machado e Caren Soares, tem atualmente 80 variedades de hortifrutigranjeiros plantados. Os carros-chefes dependem da época do ano. Agora, o que está gerando mais receita é o limão das qualidades taiti e siciliano. Os cem pés de limoeiro estão em processo de expansão para 300.

“No limão, a colheita não para nunca. São cem quilos por semana. Vendemos na feira da José Bonifácio (Redenção). O limão siciliano que levamos lá não dura uma hora“, explica Machado.

Preocupado com o nível do açude da propriedade, em baixa, ele diz que a pandemia trouxe tempos mais difíceis. Ainda assim, celebra não ter contas em atraso. A próxima aposta da granja, que também está vendendo seus produtos em um site, é a colheita da noz, em abril.

Já no Sítio Capororoca, a proprietária Silvana Beatriz Bohrer tem “de tudo um pouco'. Uma infinidade de hortaliças, frutas e plantas comestíveis rodeiam o lugar. Além do plantio de morango, chama atenção a produção da Cervejaria Capororoca, que trabalha com rótulos especiais. O diferencial é o uso da produção orgânica da propriedade para dar novos sabores à bebida. Tem cerveja de mirtilo; APA com sabugueiro; witbier com limão siciliano, sementes e coentro; beterraba, jambu e lavanda. Os visitantes que vão ao local para turismo ou eventos gastronômicos são servidos direito da torneira. Além do consumo local, a produção cervejeira é comercializada em bistrôs.

Os produtores orgânicos e convencionais de Porto Alegre são unânimes ao apontar que faltam políticas públicas de apoio ao setor. Veja abaixo algumas das principais reivindicações:

O que diz a Secretaria Municipal do Desenvolvimento Econômico e Turismo: “Como políticas de Estado, o município tem propiciado pontos de escoamento da produção em locais pela cidade, venda direta do produtor para o consumidor, ocasionando preços justos. Ganha o produtor e o consumidor, eliminando a figura dos intermediários. A Secretaria Municipal de Serviços Urbanos tem um cronograma permanente quanto ao patrolamento e poda de arbóreos em leitos de vias não pavimentadas'.

Fonte: GauchaZH

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