Aos 23 anos, Luísa Sonza coleciona sucessos, polêmicas e haters

OGLOBO / GILBERTO JúNIOR


look Reinaldo Lourenço e chapéu André Betio Foto: Mariana Maltoni. Styling: Maika Mano

Puta, vagabunda, interesseira... Eu fazendo meu trabalho, escutando só besteira. Sem talento, sem graça, forçada'. Foram com esses versos para lá de amargos que Luísa Sonza, de 23 anos, abriu o disco “Doce 22', em julho de 2021. Sucesso retumbante — com mais de um bilhão de reproduções no Spotify —, o álbum é uma espécie de catarse, em que a cantora gaúcha lava a alma, revirando sentimentos. “Quando segurei sua mão você soltou a minha... Te dizer te amo agora é mais estranho. Estranho mesmo é te ver distante, botar o nosso amor numa estante', disse ela em “Penhasco', levantando a hipótese de que a música seria uma indireta para o ex-marido, o humorista Whindersson Nunes.

Numa ação de marketing muito bem arquitetada, ela guardou na manga possíveis hits, os inserindo aos poucos nas plataformas digitais. A estratégia deu certo. O último single do disco foi colocado no mercado há duas semanas, em parceria com a funkeira Ludmilla. Em “Café da manhã', as duas protagonizaram cenas em clima de pegação. Luísa, aliás, se assumiu bissexual no ano passado. “Sou 100% bissexual, tenho certeza absoluta disso, sinto atração por mulher e homem desde criança', afirmou a estrela pop numa entrevista ao GLOBO ano passado.

Agora, em uma conversa de 40 minutos por telefone, a gaúcha de Tuparendi (cidadezinha de 10 mil habitantes) e fenômeno nas redes sociais com 27 milhões de seguidores só no Instagram falou sobre saúde mental, depressão, amor e os ataques constantes que sofre na internet. Leia os melhores trechos a seguir.

O GLOBO: Você acaba de lançar o último single do álbum “Doce 22'. Foi um projeto pessoal, em que precisou se expor. Foi dolorido tratar de coisas tão íntimas?

Não, foi a melhor coisa. O ruim é guardar esses sentimentos. Também não pensei muito ao longo do processo. Simplesmente, coloquei para fora o que eu queria entregar como artista. Foi uma verdadeira terapia. Para mim, fazer música é desabafar. Ponho no papel histórias boas e ruins. Se me sinto mais gostosa e poderosa, escrevo uma “Braba' da vida; se estou triste ou imponente, sai algo como “Penhasco'. Expor-me por meio da arte nunca será um desafio. É natural.

Mudou muito sua forma de compor?

Acredito que sim. Estou amadurecendo, passando por vivências que me trazem sentimentos diferentes. Sinto que minha obra está mais adulta. Ou não. Afinal, dizem por aí que quando ficamos velhos queremos voltar a ser criança...

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No momento, o que tem colocado no papel?

Passo por uma fase em que estou falando muito sobre amor, e as dores que vem com ele. É verdade que é um sentimento lindo, mas sofremos bastante por causa disso. Amar é difícil.

Mas, por outro lado, você nunca desiste do amor.

Não sei se é bem assim. Às vezes, fico na dúvida se desisto ou não do amor. Estou com 23 anos e desiludida. Não sei o que me resta daqui para frente.

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É do tipo que sofre?

Sou canceriana, meu bem. Só não demonstro o sofrimento. Por fora, as pessoas acham que sou braba, mas sou extremamente emotiva. Sofro, porém sigo a vida.

Como anda a vida sexual neste momento de solteirice?

Anda muito bem, sou livre, dona de mim e dos meus desejos.

Em “Café da manhã', você e Ludmilla protagonizam cenas quentes. Como foi gravar essas passagens?

Lud é uma grande amiga e me senti super à vontade, afinal é um trabalho como os outros, a única diferença é que é com uma amiga muito incrível.

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“Intere$$eira' é uma das músicas mais fortes de “Doce 22'. Você transformou em força o que poderia te destruir. Como foi esse processo?

As três palavras que começo o álbum (“Puta, vagabunda, interesseira') foram as que mais escutei nos últimos cinco anos. Era uma menina, do interior, e não entendia a razão desses ataques, não compreendia como o mundo poderia ser cruel. Para mim, esses “títulos' eram grandes monstros. Então, dominei esses monstros que só existiam na minha cabeça. Agora, essas palavras, ressignificadas, são minhas. São sobre minha história e tenho orgulho de tudo que vivi até aqui.

Concorda que a arte tem o poder de cura?

Por isso, digo que compor não é difícil, ajuda a curar as dores. A arte, na verdade, é transformadora. Música vai além do entretenimento. Choramos, sorrimos juntos, criamos uma ligação. Tudo fica mais bonito com a arte.

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Qual a sua opinião sobre o descaso do governo federal com a cultura?

É um governo que, quem tem o mínimo de respeito à vida e às minorias, se desespera. Meu maior sonho é que Bolsonaro saia do poder! Um líder contra à vida, que desrespeita as pessoas do seu país, e que não conseguiu nem de longe melhorar as coisas por aqui, não tem como ter meu apoio.

Você chegou a ter depressão. Quando percebeu que era mais do que uma tristeza?

Foi no final de 2019 que, de fato, aceitei e procurei atendimento médico. Antes, me sentia triste, mas me culpava por isso, não aceitava. É muito difícil, um momento delicado. Mas hoje vejo o quão importante foi me tratar. O que me afetou mesmo foi a vida pública. Não é fácil lidar com milhões de pessoas falando coisas ruins sobre você. A cabeça não resiste. Imagina uma menina que recebe 21 comentários numa postagem: dez acabando com você; dez te elogiando; e o último até tem um lado positivo, mas também tem um trecho negativo. Realmente, não é fácil.

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Quando o filho de Whindersson Nunes morreu, dois dias após o nascimento, chegaram a dizer que você tinha desejado isso. Como lidou com tanto ódio?

Tenho aprendido a conviver com esses ataques. Ninguém gosta de ser odiado, é óbvio. Mas preciso também focar nos meus objetivos e pensar em coisas boas e críticas construtivas. Há meses, isso me deixava muito mal, mas tenho tentado não absorver ou absorver o menos possível. Há pessoas que querem me atingir a todo custo, achando que vão me parar, mas elas definitivamente não vão.

Os ataques têm a ver com o fato de ser mulher?

Sem dúvidas, a gente vive numa sociedade extremamente machista, em que quase todos os âmbitos têm dominação de homens. Então, ver uma mulher crescendo, empoderando outras mulheres, e fazendo o que bem entende, incomoda e muito. E tem sido assim desde o dia que resolvi utilizar minha arte como forma de empoderar mulheres. Uso minha música como forma de reflexão. E não irei parar tão cedo.

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Qual será a agenda do carnaval? Vai trabalhar? Vai curtir? Quer beijar muito? Sei lá, sonha em botar uma fantasia e sair por aí sem ser reconhecida?

Por conta da pandemia infelizmente não irei para as ruas com o meu bloco. Mas teremos alguns eventos e shows fechados, onde a gente consegue ter um controle maior e exigir o comprovante de vacinação, o que na rua não é possível. Mas entregarei tudo nestes shows. É onde também tenho conseguido levar o DOCE 22 bem perto dos fãs, e esta energia presencial é única!! Amo estar ao lado deles, e farei isto durante todo o ano!

E no outro carnaval? O de abril? Vem desfilar?

Infelizmente não vou poder desfilar por conta da minha agenda que está muito cheia. É uma experiência incrível mas requer muita dedicação, responsabilidades e dessa vez não teria como conciliar.

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Está em turnê de Doce 22. Quais são os próximos shows agendados? E o que pode nos adiantar de megaproduções? Performances?

Sim, fiz shows incríveis e estou muito feliz por estar de volta aos palcos e próximo dos meus fãs. Fiz recentemente o Chá da Sonza, Hopi Pride, e muita coisa bacana... e para as próximas semanas vem muitas festinhas e shows de Carnaval por aí. Espero todos vocês!!!

E por falar em performances, como é sua relação com o corpo? Já teve neuras? Sente-se cobrada para emagrecer às vezes? Acha que está em sua melhor forma? Considera uma luta? Uma luta ganha?

Acho que por conta da nossa sociedade machista, quase todas as mulheres já passaram por esta fase de ficar se cobrando... Mas hoje me sinto muito livre e feliz sendo quem eu realmente sou, e sim, estou em uma das minhas melhores fases... mais madura, confiante e ciente do que eu quero!!!

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Que lições você tira dos últimos meses, desde o lançamento do álbum, o segundo da sua carreira de cinco anos?

Entendi que dá para fazer algo 100% com o coração e ter sucesso. Ainda não sei exatamente qual caminho seguir num próximo trabalho. Estou vivendo o agora. Também não vou tirar um período sabático. Vou continuar na estrada.

No última edição do Prêmio Multishow, você apresentou a música “Anaconda' com uma mensagem codificada: “Esse veneno vai me fortalecer ou vai me matar'. Era uma resposta aos haters? O que quis passar?

É um som bem pop, mas trouxe uma mensagem. Nem sempre, o recado precisa ser explícito. Há várias maneiras de se expressar na vida. Passo meu recado num funk ou numa balada romântica. Algumas canções foram feitas para causar estranhamento e outras sensações no ouvinte.

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O que te toca hoje no mundo?

Depois de tudo que passei, aprendi a ter empatia pelas pessoas. Fiquei mais sensível às causas dos outros. Evito julgamentos precipitados. Estou sempre me colocando no lugar do próximo, entendendo que uma história tem vários lados. Estou, de fato, num momento mais sensível, em que me emociono com tudo.

Interessante você dizer isso depois de tantos ataques.

É a única coisa que me resta. Transformei minha dor em algo que pudesse agregar ao mundo.

Foi tudo muito repentino, difícil de digerir. Dia desses, estava ouvindo suas músicas, assistindo aos vídeos. Não entendo o porquê dessa partida. Só tomo cuidado em tocar nesse assunto em respeito à família. É uma honra ela ter nascido em nosso país. Sou completamente apaixonada.

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